Beltring 2000

O maior encontro aberto de veículos militares do mundo.

 

           Na última semana de Julho, realizou-se na região de Kent, sudeste de Londres, mais um evento anual  que reúne veículos militares antigos e novos em uma quantidade inimaginável, o “War and Peace Show”, na localidade de Beltring. Essa “feira” vem crescendo em tamanho ano após ano e nessa última edição, bateu todos os recordes de participações e público. Gente de toda a Europa compareceu para prestigiar os cinco dias do evento, não raro dirigindo  seus próprios veículos, vindos da Rússia, Noruega, Finlândia,  Itália, França, Alemanha, etc. É o maior evento reunindo veículos militares no mundo, realizado num complexo de eventos agropecuários, uma fazenda de 300 acres de área útil, com camping, restaurantes, lojas e pubs, claro. Esse evento é promovido pela entidade IMVPS – Invicta Military Vehicle Preservation Society, dedicada aos fãs de veículos militares de todas as épocas na Inglaterra que, pelo visto, não são poucos…

          Tomei conhecimento do “War and Peace Show” através de um amigo de Internet, Frank Berg, de Oslo, Noruega, grande autoridade na restauração de jeeps da Segunda Guerra. Ele sempre me falou da grandiosidade dessa feira em matéria de peças originais de época para jeeps, além de veículos raros de todas as marcas e épocas. Frank já foi de Oslo até Beltring no seu Willys 41, com a esposa e as duas filhas pequenas (1500 Km, é mole?) e me ajudou muito com informações e dados para a restauração do meu jeep. Combinamos de nos encontrar em alguma edição desse evento, quando nossas agendas permitissem. O tempo passou e finalmente nos encontramos em Beltring esse ano. Mais uma vez, o “Viking Maluco” me ajudou a encontrar as melhores peças (e os melhores preços!) numa feira do tamanho de quatro campos de futebol(!), com literalmente tudo o que se pode imaginar possível ou impossível de encontrar para seu jeep, tanque, caminhão ou moto: de um parafuso até uma metralhadora . Essa feira também é prato fino para colecionadores de militaria, com tudo do melhor em termos de equipamento original ou reproduções fiéis de uniformes, armas, rádios, canhões, bazucas, capacetes, medalhas, divisas ou o que mais se pensar. Vale lembrar que a Inglaterra tem um dos mais rígidos e eficientes controles de armas e tudo que é vendido na feira é apenas para display.  Realmente, com tanto para ver, três dias não foram o suficiente para mim, que quase fiquei louco no meio daquilo tudo. 

           A feira conta com uma mostra competitiva de veículos restaurados, com grande destaque para os da Segunda Guerra, principalmente blindados e utilitários alemães, muito raros e caros, porém, cada vez mais presentes nesses eventos. Vale lembrar que o exército alemão teve seus veículos totalmente destruídos na Segunda Guerra, daí a dificuldade em encontrar algum. Muitos foram desenterrados nos pântanos da Europa Oriental e restaurados preciosamente.  A estória mais incrível é a do dono do circuito de Silverstone, que preferiu ter seu nome omitido. Esse maluco gastou mais de 200 mil Libras na restauração de um caminhão com lagartas de 18 toneladas alemão, o Famo, grande atração da feira. Seu tamanho é descomunal e a restauração  o deixou cheirando a novo. O motor roda sussurrando e só o que se ouve é o trac trac das sapatas das lagartas… Incrível! Esse caminhão rebocava os temíveis canhões de 88 mm alemães. Esse exemplar é o único restante no mundo e já foi premiado numa edição anterior da feira. Outros veículos de meia-lagarta estavam lá, sendo que um  Sdkfz 250, também sériamente restaurado, ganhou o primeiro prêmio da mostra. Um raro Mercedes 4x4 rodava com firmeza, além de muitos Kübbelwagens( kübbel: bolso+wagen: veículo), caminhões Opel, várias moto-lagarta Ketenkrad, motos BMW  e alguns raros Panzer II e Hetzer. Um raríssimo Panzer IV, o tanque mais produzido pelos alemães durante a guerra, estava presente, no estado em que foi encontrado e aguardando por uma futura restauração.

          Ainda no capítulo Segunda Guerra, a  vez dos “mocinhos”. Os ingleses estavam presentes com o famoso Long Range Desert Service, os famosos “Ratos do Deserto”, como se tornaram conhecidos. Incrível as alterações que faziam nos jeeps e caminhões Chevrolet, para agüentarem os rigores do deserto escaldante na Norte da África. Os jeeps tinham as grades dianteiras cortadas para ventilar mais o radiador, pára-brisas retirados, tudo para deixá-los mais leves. Em compensação, várias metralhadoras eram penduradas e muitos galões do líquido mais precioso – água, eram impiedosamente empilhados sobre as carrocerias. O tal condensador usado na frente dos jeeps do deserto é muito maior originalmente, como se vê na foto. Detalhe: foram os alemães quem inventaram o famoso galão para água e gasolina, que foi depois copiado pelos ingleses e americanos( o nome Jerrycan: Jerry: o rato do desenho, apelido dos alemães na guerra do Norte da África+ can: lata ou latão), além de usar o motor refrigerado a ar dos Kubbelwagens, ideal para o deserto. Além disso, havia muitos caminhões Morris e Bren em versões militares e um raro exemplar do tanque Churchil, recentemente restaurado.

          Havia um exemplar do mais famoso tanque russo da Segunda Guerra, o T-34, tão bom que ainda foi usado por muitos exércitos até os anos 70!

          Os americanos estavam presentes com uma quantidade estúpida de jeeps, Dodges, caminhões GMC CCKW (o veículo mais produzido durante a guerra), blindados meia-lagarta M-2 e M-3, vários seis rodas M-8 Greyhound, vários tanques leves Stuart M-5,  um novíssimo Sherman M-4 e um raro M-18 Hellcat (que ainda era usado pelo exército da Bósnia). Todos devidamente restaurados e rodando redondo…

          Vários acampamentos temáticos reuniam veículos retratando várias épocas. Aí estavam os veículos usados na Coréia, Vietnam e conflitos mais recentes no Oriente Médio e até na Guerra do Golfo. Assim encontramos jipes M-151 MUTT, Hummvees, caminhões REO, Land Rovers militares, blindados Ferret ,tanques ingleses Chieftain, Abbott e Scorpion, T-60 americanos e Leopard I alemães (ambos recentemente adquiridos através de “leasing” pelo Exército Brasileiro). Um jipe soviético GAZ veio rodando desde Moscou para a feira…

          Pois bem, uma das atrações diárias do evento era uma arena, onde ocorriam ao longo do dia várias  performances, como encenações de batalhas entre alemães e americanos, desfile de veículos diversos, disparos de canhões e o show mais esperado: tanques esmagando sucata de carros velhos…  No dia anterior a minha chegada, reuniram-se mais de trezentos(!) jeeps nessa arena, iniciando as comemorações dos 60 anos do veículo 4x4 mais conhecido, ícone dos tempos de guerra e paz.

          Munido de uma credencial de jornalista da 4x4&Cia, percorri cada canto da feira, tentando descobrir o que de mais interessante havia para os nossos leitores. Confesso que em alguns momentos me embananei com as três câmeras que levava penduradas no pescoço. Depois, pude concluir que meras fotos não fazem jus ao tamanho desse evento. Pude ver alguns raros jeeps Ford GP, de 1941, que chegaram a ser usados em serviço em várias frentes. Infelizmente, não havia nenhum MA ou Bantam no evento. Os veículos alemães eram os que mais chamavam atenção na feira, com suas camuflagens e formas engenhosas. O fato da feira ser tão grande explica os cinco dias de duração, quase suficientes para quem pudesse ficar todo esse tempo vendo tudo sem pressa. Achei que a tal de organização britânica deixou um pouco a desejar. Se os veículos estivessem expostos em categorias – blindados, “soft skin” (utilitários ou blindados com teto de lona) e de lagarta - tudo seria mais fácil. Devido a ampla área coberta pelas tendas, estacionamentos, acampamentos e displays, quem se aventurasse pela feira deveria estar disposto a andar muito para ver o que havia de interessante. Ainda tive a sorte de ir de carona , nos três dias do evento, com um camarada hospedado no meu hotel, que veio da Alemanha num Hummvee novinho em folha, todo preparado com camuflagem e rádio militar  operacional, um luxo só!

          Depois de passar por essa experiência extrema, posso garantir a qualquer amante do hobby que uma ida a Beltring é melhor do que ir a Disneylândia, sem dúvida.

 

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